terça-feira, janeiro 18, 2005

Beethoven

Sem Beethoven eu seria uma pessoa indiscritivelmente mais pobre, seria em muitos momentos pavorosamente incompleto. Beethoven faz de mais uma pessoa mais feliz, mais rica, mais completa.
Este é "só" o maior elogio que alguém algum dia me poderá fazer.
Obrigado velho e carrancudo mestre, génio poderoso e imortal.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Um brinde do Jardim das Amoreiras

Gosto deste poema marado (mesmo que não sabendo o que quer dizer "tarso" e "astrágalo"). O livro é "Jardim das Amoreiras" de João Miguel Fernandes Jorge, da Relógio de Água.

"Não sei se os estudantes de medicina
ao meu lado nesta aula de anatomia
passam além da estrutura óssea
que o professor nos apresenta

só eu devo ver a luz da lâmpada
ilumina um verso e reverso de um pé
um foco de teatro

e quando desenho tarso e astrágalo já
tenho ao meu lado um personagem
alguém que desce sem qualquer rumor pela obscuridade
da morte

e ao ouvido do meu desenho murmura
não é verdade que sempre seremos amigos
suceda o que suceder
e o enleio do seu andar na vida é o meu

também, quando piso, em sentimento, a intimidade
que entre nós cresceu
e se esfuma sob uma ruína dourada, para restarem

somente-
esquírolas
a intenção de um movimento, o pé direito avança
pelas ruas e praças de um corpo- a cidade morta."

Esqueci-me de dizer que também não sei lá muito bem o que são "esquírolas" ( ou melhor, não faço a menor ideia do que isso significa), mas gosto sinceramente deste poema triste e soturno que faz de mim uma pessoa subitamente mais alegre.

Me and my big mouth

Uma equipe que ganha 4-0 ao boavista alguma qualidade há-de ter.
Aparentemente retrato-me publicamente (?- será que alguém me lê de todo?) do meu post acerca da falta de qualidade do Benfica. Será mesmo assim? Not quite... continuo a achar que o benfica, tendo embora alguma qualidade, não parece ter qualidade suficiente para ganhar a Superliga, ou até qualidade suficiente para uma equipe normal do Benfica. Mas o que é uma equipe normal do Benfica? Nos últimos dez anos não é mais do que uma equipe muito fraca.

Espero sinceramente que o tempo não me dê razão, e que no final de época possa publicar um post que seja ligeiramente mais fiel ao seu título do que este

Um touro bonacheirão que gosta de Esopo enraivecido à maneira de Edgar Allan Poe

Bem gostaria eu de ser como o orgulhoso e vingativo personagem de um conto de Edgar Allan Poe, fustigando impiedosamente os meus inimigos (que não tenho), acompanhando a minha vingança com um irónico trago de amontillado.
Acontece que a única vez que usei o lema do personagem ( Nemo me impune lacessit: ninguém me fere impunemente) os Gregos voltaram a ganhar a Portugal e a ferir de maneira ainda mais grave o orgulho de uma nação atenta ao pernil de correrias escassas de Figo e companhia...
Decididamente, mesmo quando quero – e é com algum custo que o admito- não sou do estilo vingativo. Como nesse dia nefasto, tenho a secreta sensação que todos os meus planos redundariam invariavelmente em fracasso...

Diz Esopo: “Os homens vaidosos e loucos empreendem muitas vezes aquilo de que não são capazes. No final, só encontram desilusões e degradação.”

Um aviso se impõe a eventuais velhacos que leiam este post: mesmo o touro mais calmeirão e abafadiço é capaz de estocadas letais quando descomedidamente espicaçado.

Facada nas costas

Quem levou uma valente facada nas costas fui eu! Fui traido, severamente traído pelo tempo, pela RTP e pelo Miguel Torga mais os seus poemas cheios de ouriços e de terra por todo o lado...
Se tivessem passado há três anos atrás o documentário que hoje passam na RTP N sobre a sua vida e obra talvez tivesse tirado mais do que um medícre e tristonho suficiente na minha apresentação oral sobre o singelo e distinto poeta.
Ó destino cruel!

Vergonha

Não, não é mais nenhum daqueles títulos apocalípticos que Cotzee gosta de dar aos seus romance ( do género "Desgraça"... )
É que confesso que fiquei assarapantadamente bazaroco, imagine-se, com a brincadeira de carnaval fora de tempo do príncipe Harry... e não, não estou a ser irónico: até sonhei que era uma judeu fuzilado abruptamente num supermercado por uns cabr... duns nazis com umas metralhadoras potentes e assustadoras.
Num país bombardeado durante a segunda guerra, um membro chave das forças aliadas, em que alguns veteranos de guerra ainda são avózinhos patuscos e conservadores, com tiques tão merecida e “britishemente” prazenteiros como os scones, mr. Bean ou Primiére League, este inesperado e absurdo chiste real ganha um significado que transcende os habituais escândalos da Caras.

Não tenho nada a ver com isso? Peço desculpa pela secura da resposta: mas vocês também não têm lá muito a ver com o que eu acho ou deixo de achar...

Até concordo em parte convosco, mas também não tenho nada a ver com o tsunami e não me coíbo de me sentir emocionado, impotente e pavorosamente emocionado (acredite-se ou não, também já tive um pesadelo com ondas gigantes...). Neste caso concreto apenas me apetece dizer, à maneira dos velhos: “Que vergonha!”

A maçã de Newton

Para todos aqueles que esperam resolver os seus problemas com uma maçã impertinente mas inspirada caída divinamente dos ceús, num K.O simpático da Providência para arrumar de vez com todos os nossos problemas, permitam-me insolentemente lembrar-vos que não foi a maçã, foi Newton quem teorizou sobre a relatividade.

Não me julguem um chato, limito-me a falar para mim: Orlando... trabalha!

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Retrato do génio enquanto jovem

Porventura nada nesta fisionomia tão banal, tão indistinta, tão secularmente indiferente nos possa dar ideia da prodigiosa e inesgotável dimensão do génio que oculta.
De todos os génios que me foi dado conhecer, este é a léguas o mais distinto, o mais poderoso, o mais belo, o mais multiforme, o mais característico, o mais sereno, o mais completo, o mais expressivo, o mais prodigioso, brilhante, fulgurante, essencial... o mais sobrenaturalmente dotado.
É o eleito máximo entre os homens. Entre os homens? Wolfagang Amadeus Mozart, génio superno, último e incomparável é a própria essência da divindade.
A esta alma inefável, inesgotável e imortal a minha sincera e humilde homenagem, o meu eterno agradecimento.

Doce melancolia

Hoje a noite estiola-me suavemente, permissivamente, poeticamente...
Amo esta doce melancolia, esta solidão fugaz e passageira, mas sempre tão presente, sempre tão... característica
O manto nocturno, a sua infinita fantasia, a sua graça sóbria e omnipresente...
Sinto que me beija a alma esta noite suave, branda, gentil...
Exacerbada e passivamente mergulho sem me aperceber neste paroxismo de sentidos, nesta absurda felicidade, nesta dor tão desejada, tão tranquilamente presente, tão perigosamente fugidia, podesoramente absorta... tão inerte e tão viva... doce e maravilhosa melancolia: Deusa da poesia, musa dos amantes, um momento apenas, um invólucro de eternidade...

Perdido

Às vezes gosto de me sentir perdido, de não ter porto de abrigo, de ser um mendigo errante, um vagabundo, deambulado entre imagens e sonhos, ausente, livre...
Às vezes gosto de descobrir só, em segredo, distante, outras emoções, outras cores, outras formas, outros mundos... gosto de ser arranhado e abandonado por pensamentos vãos, uns insignificantes, outros perturbados, escusos, sombrios... gosto da noite, do frio, do silêncio, do que só eu vejo...
Gosto de devanear e de me consumir, corroer-me destrutivamente em alucinações sem nexo, em angústias equidistantes, em pesadelos paralelos, em ficções sem história...
Esquecer-me...
Abandonar-me... desabrigar-me, desproteger-me...
A visão é vã e o sonho não tarda em fugir-me...
Aspiração soberba e sombria, aterradoramente incomparável, estranhamente bem-vinda... fazes-me falta!

A importância de ser Orlando

Não é tão esmagadoramente sedutor como Earnst, ou tão arrebatadoramente afamado como Liszt... mas tem a sua mui própria e distinta xalaça!

O juramento de Pedro

Porque razão foi Pedro quem negou três vezes Cristo?
Será porque foi o único que lhe jurou primeiro outras tantas vezes em como nunca o abandonaria?

Melhor que a crença é a prudência.

Regresso ao futuro

Por momentos pensei que estava a sonhar, ou que por uma estranha e desconhecida variação da teoria da relatividade podesse ter de alguma forma regredido no tempo: Pedro Santana Lopes e José Sócrates iam-se perdendo em considerações e promessas acerca da conjuntura política actual.
Mas lá acabei por me lembrar: são estes os nossos actuais candidatos a Primeiro-Ministro...

O erro de Hobbes

O homem é o lobo do homem? Ó meu pobre e ingénuo amigo...
Que dizer então da mulher?

As modernas crianças homicidas.

Se é para me conhecerem mal, não me conheçam de todo.
Se é para me pintarem com bolinhas e listinhas, não me pintem de todo.
Se é para julgarem nos meus sorrisos uma afronta, ou no meu privado recato um qualquer recalcamento; não me julguem de todo: teçam as vossas comédias de enganos num outro sujeito qualquer, porque eu já não tenho pachorra!
Se é para brincarem como crianças com o estrabismo do tio que vive longe, dos seus gestos e tiques que não compreendem, não brinquem comigo de todo, não façam de mim o vosso parente estranho.
Se é para- tal como Agave possessa assegurando ter morto um leão, trucidou seu próprio filho- se alucinarem, se iludirem com uma imagem; ressaquem-se urgentemente, curem-se cambada de energúmenos, fanáticos, loucos...
Estão-me me a matar tranquilamente e a pôr um outro eu no meu lugar.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Contra os canhões marchar, marchar... ou sobre as tendências suicídas de um português moderno

Acordo já de tarde e deparo perigosamente com a letal tentação de um maço de cigarros inerte. Mas expressei-me mal, peço desculpa, é que apesar de já passar do meio-dia (altura em que fumar me traz menos desconsolos de consciência), não posso chamar exactamente "tentação" a esta forma de homicídio em jejum (ao contrário do que pensam muitos dos meus conhecidos).

É que para me arvorar em Jim Morrisson ou Kurt Cobain- esses simpáticos e misteriosos suicídas- com os benefícios e a salutar ingestão diária de nicotina, prefiro um bom e estimulante almoço primeiro: até para morrer tenho de estar preparado!

A sensualidade da indiferença

A kristen Durnst é o exemplo perfeito: nunca teria metade do seu "sex appeal" se não fosse a sua postura irritantemente indisposta, aquela expressão enjoada e ausente de quem pensa: "Bem melhor estava eu noutro sítio a fazer outras coisas mais interessantes do que aqui nesta situação que me maça!", aquela complacência e aquela languidez preguiçosa que me traz logo à cabeça uma cama e promessas de sexo!

O homem gosta de sofrer!

Entre Golias e Napoleão

Golias perdeu por confiar em demasia na sua superioridade sobre David.
Napoleão (esse general rechonchudo e baixinho que atemorizou meia Europa e que até foi imperador da França) não desejou, aquando da eminência da sua capitulação final, o triste e desolado fim que encontrou em Elba, ilha que deu "asilo" à sua derrota. Ao invés, entregou-se de moto próprio- peito erguido e intentando uma dignidade excelsa- ao seu inimigo, viajando até à Inglaterra de encontro ao exército inglês, logrando que estes- comovidos talvez com a sua magnanimidade e temerária ousadia- o deixassem embarcar tranquilamente para os "States", onde levaria uma pacífica e anónima existência durante os poéticos anos da sua velhice... (também D. Corleone teve semelhantes desatinos)...

Destes dois episódios tiramos uma mesma lição: não julgues o teu inimigo por excesso ou por defeito, não confies demasiado em ti ou demasiado nele; intenta antes julgá-lo na medida correcta: é o primeiro grande passo pra não acabares em Elba ou com uma Pedra de fisga subitamente cravada na testa!

Ser benfiquista...

Não me espanta o Benfica perder em Alvalade. Sinceramente, o Benfica perder hoje em dia, pouco ou nada me espanta. Espanta-me mais a surpresa com que os benfiquistas julgam este e outros malogros do grande clube de Eusébio.
Espantam-me as justificações do momento, conjunturais e sempre tão reveladoras como :"falta de ambição."
José Mourinho, qual rei Salomão, deu resposta definitiva a estas justificações, sempre no seu tom tão delicado e simpático, mas que tem a justificá-lo a força imorredora e iniludível da verdade: "O problema do Benfica não foi (é) falta de ambição. O problema é falta de qualidade. Só há ambição com confiança e só há confiança com qualidade."
Voilá, e fez-se luz.

Quanto vale a palavra?

O "sábio" portugês é sempre o primeiro a dar opiniões e a formular juízos com medo que os outros vejam nele um indeciso ou um idiota. Portanto, o sábio português sabe sempre tudo, mas, estranhamente, faz sempre muito pouco(quando não está ocupado em mimosear aquele que está caldado com injúrios e ironias "finas e apropriadas"- aquelas acusações supostamente veladas, do estilo:" não vou dizer quem é", com um simultâneo piscar de olho ao culpado).

Sábios de portugal, permitam-me que humildemente voz lembre que por vezes a palavra é de prata e o silêncio é de ouro.

Masturbação

Alguém meu conhecido definiu ,com a fria e certeira lógica dos anos, o que é um blog, de uma forma impolutamente justa: uma masturbação intelectual.
Só posso acrescentar que sempre gostei de punhe...!

Asterisco

Cada dia que passa estou mais asterisco.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

O jurista

O típico jurista português é um ser desprezível (repare-se que digo "o típico", não me refiro a todos os juristas). Tratam-se de pessoas com um raciocínio lógico-formal em muitos casos singularmente desenvolvido, com uma aptidão lapidada por horas de sono queimadas com labor intelectual intenso e, quase sempre árido, chato, até mesmo desinteressante. São pessoas que dominam, ou pelos menos conhecem em grande medida, uma ciência, uma ciência complexa e que trata de assuntos de interesse indiscutível - a justiça é um valor supremo!, mas uma ciência.
Portanto é errado avaliar o jurista do ponto de vista humanista clássico, daquele que se pode atribuir aos grandes pensadores, aos grandes filósofos, aos teóricos que transformam- bem ou mal- o curso da história com a força das suas ideias, com o carácter de uma vontade.
O jurista é, na maioria dos casos, uma pessoa de uma cultura específica burilada e limada - a ciência do Direito- mas de uma paupérrima preparação intelectual geral, e até em muitos casos, de uma muito fraca preparação cívica.
Quantos dos nossos advogados ou juizes conhecem a história da condenação de Prometeu por Zeus? quantos dos nossos estudantes de direito sonham que existem obras que marcaram a história do Homem sobre temas como a justiça, a alma, o poder para além daquele manancial técnico insípido que os manuais de um Jorge Miranda apontam? Falo de Platão, de Vítor Hugo, de Goethe, de Zola.
Quantos não enchem a testa mecanicamente, como uma máquina de vapor vetusta e horrenda com princípios como os da igualdade, do perigo dos juízos precipitados e sem provas, da qualidade de imparcialidade do direito e dos julgadores e os vemos depois fazer as observações mais bárbaras, descabidas e totalmente arbitrárias, por exemplo, em relação a um jogo de futebol?
Tudo isto acontece porque se incute um espírito totalmente instrumental do estudo destes princípios e de matérias de direito relevantes, equiparadas a noções técnicas despiciendas, debates semânticos infindáveis e saturantes, e um rigor formal demente. Onde está o rigor material? O importante é ensinado em conjunto com o acessório e o critério é "estudem o mais que podem do que poderem, seja o que for que estudem."
O Direito não é entendido como um imperativo categórico, uma necessidade absoluta, é relativo, relativo à cupidez e à ambição de muitos, desde o professor que é mais doutor que o outro, e que correspondentemente tem o livro com mais e maiores tomos; ao aluno que estudou mais que o outro (repare-se “mais”, e não “melhor” muitas vezes) e que logo, vai ser mais importante, vai ser mais "alguém" na vida do que o outro.
O Direito é um campo em que pululam pessoas que têm muito a provar a si próprias, de pessoas que não se bastam a si mesmas, que só são boas quando são melhores que os outros ou melhores que muitos outros, ou que só são más quando há outros que estão melhor classificados. Pode ser-se o melhor e ser-se mau! Pode ser-se o pior e mesmo assim ser-se bom!
"Bom" e "mau" são absolutos, não são relativos, a não ser nos campeonatos de competição profissionais, em que os seus cultores são bons ou maus em função da relação de vitórias obtidas directamente sobre outros.
Ora o Homem, o espírito, não se mede senão por si mesmo, não admite, ofende-o até, qualquer comparação.
O aluno mais conhecido, o mais bem pago dos advogados ou o mais mediático juiz, nada são mais que reputados cientistas. Muito poucas vezes são grandes homens ou almas ricas.

"Não tento dançar melhor do que ninguém. Só trato de dançar melhor que eu mesmo."- Mikhail Baryshnikov.
E no entanto, ele foi o melhor.

Apologia do cachecol

Quanto mais alto sobes, mais frio encontrarás.