O típico jurista português é um ser desprezível (repare-se que digo "o típico", não me refiro a todos os juristas). Tratam-se de pessoas com um raciocínio lógico-formal em muitos casos singularmente desenvolvido, com uma aptidão lapidada por horas de sono queimadas com labor intelectual intenso e, quase sempre árido, chato, até mesmo desinteressante. São pessoas que dominam, ou pelos menos conhecem em grande medida, uma ciência, uma ciência complexa e que trata de assuntos de interesse indiscutível - a justiça é um valor supremo!, mas uma ciência.
Portanto é errado avaliar o jurista do ponto de vista humanista clássico, daquele que se pode atribuir aos grandes pensadores, aos grandes filósofos, aos teóricos que transformam- bem ou mal- o curso da história com a força das suas ideias, com o carácter de uma vontade.
O jurista é, na maioria dos casos, uma pessoa de uma cultura específica burilada e limada - a ciência do Direito- mas de uma paupérrima preparação intelectual geral, e até em muitos casos, de uma muito fraca preparação cívica.
Quantos dos nossos advogados ou juizes conhecem a história da condenação de Prometeu por Zeus? quantos dos nossos estudantes de direito sonham que existem obras que marcaram a história do Homem sobre temas como a justiça, a alma, o poder para além daquele manancial técnico insípido que os manuais de um Jorge Miranda apontam? Falo de Platão, de Vítor Hugo, de Goethe, de Zola.
Quantos não enchem a testa mecanicamente, como uma máquina de vapor vetusta e horrenda com princípios como os da igualdade, do perigo dos juízos precipitados e sem provas, da qualidade de imparcialidade do direito e dos julgadores e os vemos depois fazer as observações mais bárbaras, descabidas e totalmente arbitrárias, por exemplo, em relação a um jogo de futebol?
Tudo isto acontece porque se incute um espírito totalmente instrumental do estudo destes princípios e de matérias de direito relevantes, equiparadas a noções técnicas despiciendas, debates semânticos infindáveis e saturantes, e um rigor formal demente. Onde está o rigor material? O importante é ensinado em conjunto com o acessório e o critério é "estudem o mais que podem do que poderem, seja o que for que estudem."
O Direito não é entendido como um imperativo categórico, uma necessidade absoluta, é relativo, relativo à cupidez e à ambição de muitos, desde o professor que é mais doutor que o outro, e que correspondentemente tem o livro com mais e maiores tomos; ao aluno que estudou mais que o outro (repare-se “mais”, e não “melhor” muitas vezes) e que logo, vai ser mais importante, vai ser mais "alguém" na vida do que o outro.
O Direito é um campo em que pululam pessoas que têm muito a provar a si próprias, de pessoas que não se bastam a si mesmas, que só são boas quando são melhores que os outros ou melhores que muitos outros, ou que só são más quando há outros que estão melhor classificados. Pode ser-se o melhor e ser-se mau! Pode ser-se o pior e mesmo assim ser-se bom!
"Bom" e "mau" são absolutos, não são relativos, a não ser nos campeonatos de competição profissionais, em que os seus cultores são bons ou maus em função da relação de vitórias obtidas directamente sobre outros.
Ora o Homem, o espírito, não se mede senão por si mesmo, não admite, ofende-o até, qualquer comparação.
O aluno mais conhecido, o mais bem pago dos advogados ou o mais mediático juiz, nada são mais que reputados cientistas. Muito poucas vezes são grandes homens ou almas ricas.
"Não tento dançar melhor do que ninguém. Só trato de dançar melhor que eu mesmo."- Mikhail Baryshnikov.
E no entanto, ele foi o melhor.